Senadora Leila do Vôlei: deputados anteciparam regulamentação do mercado e fizeram outras mudanças “pontuais” — Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

 

 

Por Murillo Camarotto
De Brasília 15/02/2024

Uma mudança no regimento da Câmara ameaça dificultar ainda mais a aprovação do projeto do mercado de carbono, uma das principais pautas da chamada “agenda verde” do país. Aprovada pelos deputados no apagar das luzes de 2023, uma versão da proposta seguiu para o Senado no último dia 6, mas uma queda de braço entre as duas Casas deve comprometer a tramitação e atrasar ainda mais a criação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).

O imbróglio está na existência de dois projetos de lei que tratam do tema, um com origem na Câmara (2.148/15) e outro no Senado (412/22). Quem inicia a tramitação é quem dá a palavra final, ao decidir sobre as emendas feitas pela outra Casa.

Em outubro, o Senado aprovou o texto iniciado na Casa e, portanto, teria direito a bater o martelo sobre a redação que vai à sanção presidencial.

Contudo, na votação de dezembro, o relator da medida da Câmara, Aliel Machado (PV-PR), rejeitou esse projeto e deu preferência ao protocolado por um ex-deputado – o texto de 2015. Agora, se os senadores modificarem a proposta, ela voltará para mais uma análise na Câmara dos Deputados.

Isso ocorreu com base em uma mudança no regimento interno da Câmara aprovada em 2022, que ainda não havia sido aplicada em projetos de grande repercussão.

A nova regra acabou com a precedência das proposições já aprovadas no Senado sobre as dos deputados, no caso de apensação – processo que permite que textos que tratam do mesmo assunto tramitam de forma conjunta. De acordo com a resolução, a precedência será sempre da proposta mais antiga que, neste caso específico, é a da Câmara.

Senadores reagiram e pediram providências ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). “Lira mudou as regras do jogo numa aparente tentativa de ter sempre a palavra final sobre os projetos, numa atitude ilegal e abusiva”, criticou o senador Alessandro Vieira (MDB-SE). “Essa alteração ataca diretamente a democracia e o sistema bicameral”, completou.

Pacheco prometeu tentar reverter a decisão “de forma amigável”. Caso contrário, vai alterar o regimento do Senado para garantir a isonomia.

A definição sobre qual Casa votará a versão final da proposta é importante porque deputados e senadores divergem sobre pontos importantes do texto. Relatora do projeto que saiu do Senado (412/22), a senadora Leila do Vôlei (PDT-DF) disse ao Valor que a Câmara incluiu no texto a regulamentação do mercado voluntário de carbono, o que, segundo ela, só deveria acontecer posteriormente. Os deputados também promoveram alterações “pontuais” nas regras para o mercado regulado.

Pelo que está previsto nos textos, estarão sujeitas ao mercado regulado as empresas com emissões superiores a 10 mil toneladas de carbono por ano. Elas terão que assumir compromissos para reduzir as emissões e poderão comprar créditos no mercado para compensar eventual ultrapassagem da cota máxima. No mercado voluntário, empresas que gerem créditos de carbono por meio de redução das emissões ou da preservação de áreas verdes podem negociá-los. Uma vez aprovado, teremos muita discussão nesse detalhamento”

— Guilherme Leal
“É uma preocupação que existe dentro da Casa para manter a proposta de tratar, nesse primeiro momento, apenas do mercado regulado, conforme o texto que enviamos para a Câmara”, afirmou a senadora. “São duas situações distintas que, para a iniciativa que foi proposta, demandaria mais debates e que entendemos que deveriam ser tratados em projetos distintos”, completou Leila do Vôlei.

Para Machado, a versão da Câmara traz mais segurança jurídica ao diferenciar o conceito de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) obrigatórias e opcionais. “Isso no texto do Senado estava misturado”, afirmou.

“Esse mercado, como o próprio nome diz, é voluntário. Compra quem quer, vende quem quer. O que fizemos foi colocar algumas garantias para que não haja dupla contagem, como obrigatoriedade de comunicação ao conselho gestor, e que haverá um valor mínimo repassado as comunidades tradicionais, como indígenas e assentados, nas transações envolvendo esses locais”, disse.

O relator na Câmara defende ainda que a decisão de aprovar o projeto da Câmara em detrimento do texto do Senado foi a mais correta. “É uma questão regimental. O assunto estava em debate há mais tempo na Câmara”, disse, antecipando que procurará a senadora Leila e os demais senadores para explicar as mudanças feitas e ajudar no debate.

A duração do impasse poderá comprometer a intenção do governo de apresentar sua agenda verde, no máximo, até a realização da COP30, marcada para 2025, em Belém.

Além do mercado de carbono, integram a agenda os projetos de eólicas offshore e de hidrogênio verde.

O cronograma pós-aprovação da matéria no Congresso prevê prazo de um ano, renovável por mais um, para todo o procedimento de regulamentação do novo mercado de carbono. É por meio deste processo que serão definidas, por exemplo, quais atividades estarão sujeitas às exigências e sob quais parâmetros técnicos. Os critérios e os prazos para a redução das emissões também terão que ser criados durante a fase de regulamentação.

Especialista no tema, o advogado Guilherme Leal, do escritório Graça Couto, disse que o processo será alvo de muita discussão. “Uma vez aprovado [no Congresso], teremos muita discussão nesse detalhamento. Qual vai ser o grau de poder do órgão gestor para regular esse sistema? Ele concentra muitas atribuições importantes e vai precisar ter competências muito bem definidas”, disse ele, que participou da instrução aos relatores do projeto por meio do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).

Leal também lembra que o projeto deve ser visto pela sociedade como uma política pública para a mitigação de emissões de carbono e de combate às mudanças climáticas, e não apenas como um incentivo econômico para as empresas. “É importante enxergar esse PL não apenas como uma lei de transação de créditos de carbono. Quando se enxerga só este benefício, se deixa de explorar outros benefícios”, disse o especialista.


FONTE: VALOR
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/02/15/disputa-parlamentar-barra-mercado-de-carbono.ghtml