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JOTA – 28/05/2025
Imagine-se a situação de um prefeito municipal que, no São João, deseja atrair notoriedade para si e para o seu município organizando festejos que conte com o popular artista Gusttavo Lima. Contudo, as contas públicas estão apertadas. Decide, então, deixar de pagar a fatura devida ao parceiro privado dos serviços públicos de resíduos sólidos urbanos para, assim, conseguir pagar os honorários do artista.
Se isso pudesse acontecer, os contratos de parceria público-privada (PPP) seriam muito precários, tornando-se empreendimentos de elevado risco. O resultado seria o afastamento do setor privado ou a sua participação mediante elevados prêmios para compensar os riscos. Como se vê, a existência de mecanismos que impeçam a inadimplência do poder concedente é essencial para o sucesso dos contratos de PPP e, em alguns casos, de concessões comuns.
Esse problema tem solução: o contrato prever mecanismo de garantia, pelo que eventual falha do poder público em realizar os pagamentos não prejudicará o concessionário, uma vez que a garantia permitirá que os pagamentos continuem, com a manutenção do fluxo de caixa previsto.
A questão logo passa a ser: quais garantias pode oferecer o poder público em contratos de parceria público-privada? Apesar de a legislação prever que muitos ativos podem ser gravados em garantia, na prática há poucos que efetivamente estão disponíveis e são suficientes para isso. Por essa razão, se torna central o tema de utilizar as receitas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), ou da quota-parte de ICMS a que o município possui direito.
Observe-se que o tema vai além das PPPs, atingindo também as concessões comuns, em que as receitas seriam apenas tarifárias – não havendo, propriamente, obrigações de pagamento a cargo do poder público. A título de exemplo, tem-se os contratos de concessão comum do serviço público de manejo de resíduos sólidos urbanos, nos quais parte da tarifa é paga pelos usuários públicos, ou seja, pelas municipalidades.
A garantia, nessa outra hipótese, assegura a realização dos pagamentos das tarifas cobradas dos usuários públicos – e o valor é relevante porque engloba inclusive a coleta e destinação final dos resíduos originados do serviço público de limpeza urbana, uma vez que é comum que esse outro serviço público continue sob a responsabilidade do Município.
Porém, o tema da possiblidade de as receitas do FPM ou da quota-parte de ICMS ser utilizadas para garantir contratos de PPPs, ou de concessões, já foi alvo de polêmica. O que se questionava é que esses recursos seriam apropriados antes mesmo de ingressar no caixa único do ente público e, ainda, os pagamentos ao concessionário se realizariam sem a execução da despesa mediante o orçamento, uma vez que seriam realizados diretamente por agentes fiduciários.
No ponto, a jurisprudência é oscilante, tendo a mais recente se inclinado pela inviabilidade de se vincular os recursos. Ou seja, pela inviabilidade de tais recursos serem utilizados para os pagamentos ao concessionário, em by-pass do sistema de direito financeiro, que preconiza o orçamento (com suas dotações, empenhos e outros procedimentos) como seu elemento central.
Porém, até recentemente não havia questionamentos sobre a possibilidade de que os mesmos recursos pudessem ser apenas retidos. Ou seja, caso o pagamento não tenha se realizado, os recursos ingressarão no caixa único, continuarão sobre a propriedade do ente público, porém indisponíveis em determinado valor (em geral, o valor devido e mais trinta por cento) até que seja realizado o pagamento devido ao concessionário.
Como se vê, por esse mecanismo, fica impossível o prefeito deixar de pagar o concessionário para pagar o Gusttavo Lima, porque os recursos ficarão retidos – o que é diferente de serem vinculados, porque não estão sendo utilizados para o pagamento do concessionário.
Contudo, recentemente, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) apreciou o tema, quando analisou licitação promovida por consórcio público, cujo objeto é a outorga da prestação dos serviços públicos de manejo de resíduos sólidos urbanos. Na decisão, é evidente que corte confundiu a retenção, que é o que previa o edital, com a vinculação dos recursos e, a seguir, adotou em relação a esse último tema uma posição mais restritiva.
A decisão do TCE-SP, pelo prestígio daquela corte, teve forte influência e acendeu no mercado uma luz vermelha, no sentido de que as garantias das concessões e PPPs, quando preveem o FPM ou a quota-parte de ICMS, não são firmes, podendo mesmo no caso de retenção serem alvo de questionamentos. Evidente que isso não contribuiu para que o país possa realizar os elevados investimentos em infraestrutura de que tanto precisa.
Por isso defendemos aqui que a retenção de recursos do FPM, ou outros da mesma natureza, não possui qualquer vedação – porque não se confunde com a vinculação dos recursos. A lógica orçamentária está preservada. E fazemos isso não porque não gostemos do Gusttavo Lima, já que gosto musical não se discute, mas porque entendemos quanto as concessões e PPPs são fundamentais para que o Brasil possa promover o seu desenvolvimento econômico e social.
Fonte: JOTA
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/gusttavo-lima-e-as-garantias-nos-contratos-de-ppps