O GLOBO – 02/10/2024
Famosa por suas belezas naturais, a Chapada dos Veadeiros (GO) enfrentou em agosto um incêndio que por seis dias se espalhou pelos seis municípios onde fica o parque nacional. O fogo começou em 4 de setembro, em um lixão na área de proteção ambiental de Pouso Alto, em Alto Paraíso de Goiás.
O local de origem das queimadas sequer deveria existir na época. Em 2 de agosto, terminou o prazo para que o Brasil erradicasse todos os seus lixões, conforme a Política Nacional de Resíduos Sólidos, sancionada em 2010 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas ainda há cerca de três mil no país.
Além da Chapada dos Veadeiros, Patrimônio Mundial Natural pela Unesco, paraísos ecológicos como o Pantanal, os Lençóis Maranhenses e praias da Bahia sofrem com o impacto dos lixões. Esses depósitos afetam não só a saúde da população e o meio ambiente, mas o turismo.
Segundo o Sistema Nacional de Informações de Saneamento (Snis), 1.593 cidades ainda usam lixões. Algumas têm mais de um. Além disso, cerca de 40% de todos os resíduos no país têm destinação irregular, e quase 25% dos lares brasileiros não contam com serviço de coleta regular. O índice médio de reciclagem no Brasil, que deveria ser de 14% neste ano pela meta do plano aprovado em 2010, não passa dos 3,5%.
Morador de Alto Paraíso de Goiás há 16 anos, o guia de turismo Ivan Anjo Diniz atua como brigadista voluntário na ONG Rede Contra Fogo. As queimadas no lixão, conta, são recorrentes.
— Todos os anos temos casos de intoxicação e deslocamento de famílias por causa desses incêndios. É uma fumaça extremamente tóxica, que vem do plástico derretido. No ano retrasado, o lixão queimou por quase um mês e as pessoas tiveram que ficar fora das suas casas.
O chorume ameaça os rios que irrigam as plantações, acrescenta:
— O lixão fica em cima das nascentes do Rio São Bartolomeu, um dos mais limpos que temos.
A prefeitura de Alto Paraíso de Goiás não respondeu por que mantém o depósito de rejeitos ao ar livre.
Presidente da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), Pedro Maranhão diz que os lixões não acabaram por falta de priorização no orçamento.
— Tem que botar o dedo na ferida e exigir o cumprimento da lei. Lixão é coisa da época medieval, não podemos mais passar a mão na cabeça dos prefeitos — afirma Maranhão, que destaca a importância de aterros sanitários regionalizados, que atendem dezenas de municípios, o que barateia o custo.
Nos Lençóis Maranhenses, recentemente aprovado como Patrimônio Mundial Natural pela Unesco, o lixo também se tornou um problema. Há apenas um aterro sanitário maranhense licenciado, em Rosário, que atende a 12 municípios, incluindo Santo Amaro, uma das duas principais cidades-base dos Lençóis. A outra, Barreirinhas, também usava o aterro, mas voltou ao lixão, segundo a Abrema.
Há cerca de três anos, as pousadas na Praia de Caburé, nos Pequenos Lençóis, fecharam, deixando um grande volume de dejetos no depósito instalado na areia, diz o piloto de barco de passeios Claudio Rocha.
— O lixo espalhado vai para o Rio Preguiças e deságua nos Lençóis. Tem muita garrafa, sacola, lata e plástico. Quando estamos navegando, tentamos retirar aos poucos, mas está muito espalhado, e os turistas já reclamam — afirma Rocha.
Matteo Soussinr, integrante dos conselhos municipais de turismo e de meio ambiente e dono de pousada em Santo Amaro, reconhece que há acúmulo de lixo nos povoados da zona rural, onde há dificuldade de acesso para coleta, e nas margens de rios. Há três anos, o município desativou seu lixão e passou a usar o aterro sanitário.
— Estamos em uma fase transitória, o problema existe, mas estamos avançando — diz Soussinr.
A Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão informou que oferece suporte técnico aos municípios para o encerramento de lixões e fiscalizará a Praia de Caburé.
Perto do rio em Maraú
A Abrema também identificou problemas no Pantanal e na Bahia. Na Península de Maraú (BA), um lixão fica a apenas 12 metros do Rio Tabatinga, que deságua em uma região de praias famosas como Taipu de Dentro. No Mato Grosso, o aterro da capital foi desativado, mas o lixo acumulado de 1997 a 2022 ainda representa risco ao Rio Cuiabá e seus afluentes, que abastecem o Pantanal. Cuiabá, Vargem Grande e Santo Antônio do Leverger fecharam contratos para tratar resíduos com o Ecoparque Pantanal, aterro sanitário do Grupo Orizon. Mas os 14 municípios do Vale do Rio Cuiabá ainda utilizam lixões.
— Quando o resíduo descartado irregularmente se decompõe, gera chorume ou biogás. O chorume contamina o solo e o lençol freático, e o biogás tem o metano, 27 vezes mais poluente que o CO2 — alerta Rodrigo Menezes, gerente regional da Orizon.
*