Na edição passada da Conferência das Partes para Mudança do Clima, a COP-28, realizada em dezembro de 2023 em Dubai, muito se comemorou a aprovação de uma transição para a redução do uso dos combustíveis fósseis. Mas, além desse resultado inédito, outra discussão que ocorreu no evento foi o reconhecimento da relação direta entre a gestão adequada e integrada de resíduos sólidos como aliada ao combate das mudanças climáticas. Trata-se de um processo iniciado em 2022, na COP-27, mas que agora apresenta o setor com um potencial da maior relevância para a redução da emissão de Gases de Efeito Estufa (GEEs), principalmente o metano – que tem impacto no aquecimento global cerca de 80 vezes superior ao do CO2, se considerada a duração de 20 anos desse gás na atmosfera –, rumo a um futuro de baixo carbono.
Segundo documento da Iswa, entidade internacional representante do setor de resíduos, a gestão integrada de resíduos e recursos pode reduzir as emissões globais de GEEs em 15% a 20%. No Brasil, esse potencial mitigador foi devidamente reconhecido no Projeto de Lei do Mercado de Carbono (PL 2.148/2015), aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro de 2023, e o alcance dessas metas de descarbonização pela gestão de resíduos está apoiado na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e no Decreto n.º 11.043/2022, que instituiu o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), que é a estratégia do País para uma gestão integrada, adequada e sustentável dos materiais descartados.
Para tanto, a PNRS, Lei Federal vigente desde 2010, instituiu o “princípio da hierarquia na gestão de resíduos”, que emerge como de primordial importância, compondo a estrutura vertebral da legislação vigente e indicando o caminho para que as ações aconteçam de maneira coordenada e alcancem os objetivos almejados na lei.
De acordo com tal princípio, “na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”.
Os três primeiros elementos do princípio da hierarquia (não geração, redução e reutilização) são direcionados à prevenção dos resíduos sólidos, ou seja, com sua implementação, busca-se evitar que os materiais se tornem resíduos. Os três elementos posteriores (reciclagem, tratamento e disposição final) são soluções direcionadas para mitigar quaisquer efeitos negativos causados pelos resíduos quando não for possível a sua prevenção.
Note-se, portanto, que se trata de um sistema integrado e interconectado, de soluções encadeadas, que se aplicam em diferentes momentos no fluxo de gestão de gerenciamento de resíduos sólidos e são complementares umas às outras, para atender à totalidade dos materiais gerados, que são completamente heterogêneos e demandam soluções diferenciadas.
Por exemplo: nem todo material descartado é reciclável, demandando, portanto, uma solução diferente da reciclagem. Outro exemplo: nem sempre uma solução tecnológica é viável em determinada localidade (por questões de custos ou de escala), levando à aplicação de outra solução adequada, de forma mais abrangente.
E ressalte-se: essa é uma premissa mundial, que até hoje não abriu mão desta receita de soluções integradas para dar conta de um volume crescente de resíduos gerados, principalmente nos centros urbanos. Neste contexto de interconexão entre as soluções existentes, diferentes tecnologias coabitam os mesmos ecossistemas e permitem um equilíbrio de alternativas.
Dados do Banco Mundial apontam que, em pleno século 21, 36,7% dos resíduos no mundo ainda seguem para locais inadequados (lixões e aterros controlados) e 32,9% dos resíduos seguem para aterros sanitários, que continuam sendo a principal solução de destinação adequada em prática mundo afora.
O restante, que representa pouco mais de 30% dos resíduos, segue para processos de compostagem, reciclagem e incineração. Mesmo nos países de alta renda, a destinação em aterros sanitários ainda responde por 39% da destinação adequada, estando presente em todas as regiões do mundo, mesmo nas mais desenvolvidas, onde todas as rotas tecnológicas coexistem e fazem parte de um sistema integrado para garantir proteção ambiental e melhor qualidade de vida para a população.
Nesse sentido, as soluções adequadas, permitidas em lei e licenciáveis conforme a realidade de cada local, devem ser privilegiadas e não podem ser descartadas para atender a interesses comerciais específicos, sob risco de se perpetuarem os lixões e demais unidades inadequadas.
Não há tecnologia mágica, inexiste solução única que possa ser replicada em todas as partes do mundo. Cada país, cada região, cada cidade tem de seguir seu grau de desenvolvimento, observar a disponibilidade de recursos e acompanhar a cultura de cada sociedade para definir a melhor combinação de soluções na gestão de resíduos. Apostar em solução isolada ou tentar vender uma única alternativa tecnológica como sendo a salvação é receita certa para o insucesso.
Opinião por Carlos R. V. Silva Filho
Presidente da Associação Internacional de Resíduos Sólidos (Iswa, na sigla em inglês)
FONTE:
https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/gestao-integrada-de-residuos-aliada-para-o-futuro-de-baixo-carbono/
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