Lixão (Foto: Wilson Dias/ABr)
Monitor Mercantil – 16/06/2025
Luiz Carlos Santiago, de 70 anos, começou a trabalhar com coleta de material reciclável em 2000. No início, buscava material de forma autônoma no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, até que, em 2002, tornou-se um dos fundadores da Cooperativa dos Trabalhadores do Complexo de Bonsucesso (Cootrabom), iniciativa associada à Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Hoje, além de recolher material em empresas públicas e privadas, a cooperativa recebe recicláveis da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) em seu galpão no bairro de Cascadura. É neste local que realizam a separação e comercialização do material, conseguindo arrecadar cerca de R$ 1,6 mil por mês para cada associado da Cootrabom.
“Não considero suficiente o que conseguimos ratear, tendo em vista o trabalho que prestamos à sociedade. Às vezes, conseguimos um pouco mais pela prestação de serviços para empresas”, diz Santiago à Agência Brasil.
O fundador da Cootrabom também critica a falta de espaços cedidos pelo poder público para armazenar o material coletado e os casos de discriminação.
“Muitas situações de preconceito acontecem por causa do nosso trabalho, que é confundido com o trabalho da população em situação de rua”, explica.
O autor do livro “A vida com direitos: direito do trabalho inclusivo e trabalho decente para catadores de resíduos”, Dieric Guimarães Cavalcante, pontua que os catadores são responsáveis pela coleta seletiva, triagem, classificação, processamento e comercialização dos resíduos reutilizáveis e recicláveis.
“Essa atividade só foi reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2002, ocasião em que foi inserida na Classificação Brasileira de Ocupações, embora os estudos sobre o tema apontem que o trabalho de catador acompanha o processo de urbanização do Brasil”, explica.
Conforme o Guia Brasileiro de Ocupações do Ministério do Trabalho, o Brasil conta com 3.848 catadores de material reciclável registrados. Os homens representam a maioria (70,97%), enquanto as mulheres correspondem a 29,03%.
A jornada dessas pessoas, relata Cavalcante, depende diretamente do regime de trabalho, que pode ser classificado de duas formas: catadores não cooperados ou autônomos, que atuam nas ruas ou em lixões, e os catadores cooperados, que trabalham em cooperativas ou associações.
“Se autônomos, as jornadas de trabalho diárias podem passar de 16 horas, sem qualquer intervalo ou de menos de 30 minutos. Já quando inseridos em cooperativas ou associações, a jornada, em regra, obedece ao limite de oito horas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e é garantido intervalo de uma hora”, explica Cavalcante, que também é mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF.
“O trabalho dos catadores, quando exercido no contexto das cooperativas e das associações, tende a ser mais protegido e, consequentemente, mais digno”, continua.
Organizados em associações ou cooperativas, os trabalhadores tendem a ter condições melhores de trabalho, graças ao apoio de governos locais, doações de equipamentos e financiamento para treinamentos, apesar de muitas associações lutarem para sobreviver em razão da falta de reconhecimento formal e padrões de trabalho decentes, como descreve o livro “A vida com direitos: direito do trabalho inclusivo e trabalho decente para catadores de resíduos”.
Também na Zona Norte do Rio de Janeiro, desde 2005, a Cooperativa de Trabalho CoopQuitungo realiza a coleta de material reciclável na comunidade do Quitungo, em Brás de Pina. Formada apenas por mulheres e com 14 famílias associadas, a iniciativa foi fundada por Maria do Carmo Barbosa de Oliveira, de 70 anos.
“A cooperativa foi criada para atender a comunidade, porque as pessoas não tinham condições de ir para o mercado de trabalho”, explica Oliveira.
Como a Cootrabom, a CoopQuitungo realiza coleta de materiais recicláveis em empresas públicas e privadas, além de condomínios, apesar de não terem um espaço próprio para armazenar o material recolhido.
“Na maioria das vezes, nós não temos tanta liberdade. Mesmo após esses anos todos, trabalhamos em um espaço emprestado por uma igreja católica. Não temos estrutura para muita coisa”, lamenta a fundadora da cooperativa.
Quando surgiu, a cooperativa contava com um grupo de 30 mulheres, mas esse número foi reduzido com o passar do tempo pela falta de infraestrutura, que também afetou a eficiência do trabalho.
“Começamos com muita deficiência. Não tínhamos carro, trabalhávamos puxando o burrinho-sem- rabo na rua cheio. Isso era muito difícil para nós, mulheres, mas com o decorrer do tempo ganhamos um caminhão, o que já facilitou. Foi quando tivemos a necessidade de colocar os homens para dirigir”, conta.
Mesmo com a recente inclusão de homens na cooperativa, Maria do Carmo reforça que são apenas as mulheres que saem para coletar material, com apoio do Decreto nº 5.940, de 2006, que institui a separação dos resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administração pública federal.
Apesar da chegada de um caminhão para auxiliar na coleta, a fundadora destaca que os desafios ainda são muitos. O principal deles, ela reforça, é a falta de um galpão para a cooperativa e a necessidade de deixar o material na calçada muitas vezes.
“Somos procuradas para tanta coisa, para palestra, para limpeza, para ações na praia. A CoopQuitungo faz de tudo um pouco, então por que não somos vistas pela necessidade que estamos pleiteando já há tanto tempo?”, questiona.
O professor Ronei de Almeida, do Departamento de Engenharia Sanitária e Meio Ambiente da Uerj, observa que os principais desafios enfrentados por catadores de materiais recicláveis estão relacionados à remuneração e às condições adequadas de trabalho.
“Entre os principais problemas, destaco a informalidade e a consequente ausência de direitos trabalhistas. A maioria desses trabalhadores opera na informalidade, o que dificulta o acesso a benefícios básicos, como seguro-desemprego e previdência social. Soma-se a isso as condições precárias de trabalho, marcadas pela falta de infraestrutura e de equipamentos adequados. Esse cenário impacta negativamente a saúde física e mental dos catadores, comprometendo sua qualidade de vida e dignidade profissional”.
Embora a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabeleça prioridade para parcerias com cooperativas de catadores de materiais recicláveis, em especial na implementação, estruturação e operacionalização do sistema de logística reversa, Almeida destaca que o caminho mais eficaz para a valorização dessa categoria é a formalização do trabalho, por meio da estruturação de associações e cooperativas.
“Essa medida permite retirar o trabalhador individual da informalidade e da situação de vulnerabilidade social em que muitos se encontram no estado do Rio de Janeiro. Além disso, é fundamental investir na infraestrutura das cooperativas, ampliar o parque de reciclagem e capacitar os profissionais, promovendo qualificação técnica e organizacional”, avalia. “Outro aspecto que destacaria é a remuneração direta, por parte dos municípios, às cooperativas e associações, reconhecendo o papel estratégico que essas organizações desempenham no gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos”.
Questionada sobre as ações para catadores de material reciclável no Rio de Janeiro, a Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) informou que promove o serviço de coleta seletiva, atendendo atualmente 117 bairros da cidade. De acordo com a companhia, todo o material é entregue gratuitamente a 30 cooperativas de catadores, que fazem a separação e comercializam os produtos.
“O lixo reciclável garante assim trabalho e renda aos cooperativados, beneficiando cerca de 450 famílias. O recolhimento porta a porta é feito uma vez por semana, em dias alternados aos da coleta domiciliar. Atualmente, a Comlurb coleta cerca de 1.300 toneladas de materiais recicláveis por mês, considerando tanto a coleta feita pela frota própria quanto o volume recolhido pelos recicladores autônomos, que reportam mensalmente a quantidade coletada”, afirmou em nota.
Enquanto o mundo reflete sobre as soluções para a crise climática no Dia Mundial do Meio Ambiente, uma força muitas vezes invisibilizada segue liderando a transição para cidades mais sustentáveis no Brasil: as catadoras e os catadores de materiais recicláveis. Estudo inédito que analisou sistemas de gestão de resíduos no Brasil e na Indonésia revela que sistemas descentralizados, como os realizados por cooperativas de catadoras e catadores, demonstram menor custo por tonelada de resíduos processados, além de maior eficiência operacional.
Dados recentes do Atlas Brasileiro da Reciclagem e do Sistema Nacional de Informações do Saneamento Básico (Sinisa) reforçam a relevância do setor: são 2.092 cooperativas e associações de catadores em atividade em 1.630 municípios, reunindo 37.786 catadores associados, além de 22.428 trabalhadores informais.
A pesquisa “Financial Analysis of Solid Waste Management Business Models: Case Studies in Indonesia and Brazil”, realizada pela Climate Policy Initiative (CPI), vai ser lançada globalmente na próxima semana. O levantamento traz dados inéditos sobre a sustentabilidade econômica e financeira de modelos de gestão de resíduos, incluindo casos brasileiros coletados com apoio do Instituto Pólis.
O estudo derruba um mito do setor: ao contrário do que se imagina, modelos de grande escala podem apresentar custos operacionais mais altos, devido à complexidade e à logística envolvida. Já sistemas descentralizados, como os realizados por cooperativas de catadoras e catadores, demonstram menor custo por tonelada de resíduos processados, além de maior eficiência operacional.
No país onde quase metade dos resíduos sólidos urbanos é composta por matéria orgânica, a compostagem surge como uma solução urgente e viável. Segundo pesquisa global encomendada pelo Global Methane Hub (GMH), o Brasil lidera mundialmente o apoio à ação contra o metano, com 90% da população defendendo medidas obrigatórias de separação de resíduos – incluindo os orgânicos – e a redução do envio desses resíduos para aterros sanitários.
“O crescimento da compostagem no Brasil é expressivo, mas ainda recebe pouco apoio se comparado aos aterros sanitários. Apenas entre 2022 e 2023, o número de unidades de compostagem no país cresceu 55%, passando de 76 para 118. Este é um caminho com enorme potencial de geração de empregos – de cinco a 10 vezes mais postos por tonelada tratada do que o aterro – e de combate às mudanças climáticas,” afirma Victor, coordenador de projetos da equipe de resíduos sólidos do Instituto Pólis.
Diversas cooperativas de catadores já operam sistemas de compostagem bem-sucedidos em todo o Brasil. É o caso da CooperCicli, em Caetité (BA); da Recicla Jacobina, em Jacobina (BA); da VerdeCoop, na Costa do Sauípe (BA); da CooperCicla, em Santa Cecília do Sul (RS), que atende mais de 20 municípios; da ACAMARTI, em Tibagi (PR) e da CooperSul, em Poços de Caldas (MG), entre outras iniciativas.
A compostagem, além de ambientalmente eficiente, é uma tecnologia social, reconhecida como tal pelo programa Pró-Catador (Decreto Nº 11.414/2023). Quando realizada por organizações de catadores, ela promove geração de trabalho, renda, cidadania e redução das emissões de gases de efeito estufa.
“Os catadores já são responsáveis por cerca de 90% de toda reciclagem de resíduos secos no país. Incluir os resíduos orgânicos nesse ciclo amplia a autonomia dessas organizações, reduz a dependência do mercado de recicláveis e fortalece a segurança econômica dos trabalhadores e trabalhadoras”, reforça Argentino.
Além dos benefícios sociais, a compostagem liderada pelos catadores oferece às cidades uma solução de baixo custo, com flexibilidade e escalabilidade. O modelo permite que prefeituras contratem diretamente as cooperativas, conforme previsto na Lei Federal nº 14.133/2021, estimulando a economia local e a inclusão produtiva.
“A compostagem realizada com catadores representa uma oportunidade estratégica para ampliar a reciclagem de resíduos orgânicos no Brasil, especialmente considerando que cerca de 90% da reciclagem de resíduos secos já é conduzida pelo trabalho dos catadores e catadoras. Ao integrá-los nesse processo, é possível promover uma transição justa na gestão de resíduos, com benefícios socioambientais relevantes”, explica Victor Argentino, coordenador de projetos da equipe de resíduos sólidos do Instituto Pólis.
Ainda segundo ele, “além de reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa, a compostagem com participação ativa desses trabalhadores pode gerar de cinco a 10 vezes mais empregos do que os modelos tradicionais baseados em aterros sanitários e lixões.”
Com informações da Agência Brasil e da Agência Galo
Fonte: Monitor Mercantil
https://monitormercantil.com.br/catadores-no-rio-lidam-com-informalidade-e-mas-condicoes-de-trabalho